Em tempos de globalização acelerada e conflitos comerciais frequentes, compreender a importância dos blocos econômicos nunca foi tão essencial. A origem deste fenômeno remonta ao período pós-Segunda Guerra Mundial, especialmente a 1951, com a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Este primeiro passo rumo à integração supranacional, que uniu França, Alemanha Ocidental, Itália, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo, tornou-se modelo para uma série de alianças futuras. Afinal, como afirma o Fundo Monetário Internacional (FMI), “políticas que tornam uma economia aberta ao comércio e investimento com o resto do mundo são necessárias para o crescimento econômico sustentado”.
O impacto desses acordos é inegável. Desde que o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio derrubou diversas barreiras comerciais em 1947, o valor das trocas comerciais globais cresceu 400%, segundo levantamento recente do Fórum Econômico Mundial.
O panorama atual: principais blocos e seu impacto econômico
- O Acordo Regional Abrangente de Parceria Econômica (RCEP), maior bloco comercial em termos populacionais, cobre 30% do PIB global e da população mundial, concentrando-se na Ásia e Pacífico.
- Segundo projeções do SwissRe Institute, este número deve subir para 35% do PIB global até 2030, representando o acordo comercial multilateral mais importante desde a formação do mercado único da União Europeia.
- Enquanto isso, o acordo USMCA (sucessor do Nafta) entre Estados Unidos, México e Canadá representa 17% do PIB global, e o Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífica (CPTPP) responde por 15% da economia mundial.
- A União Europeia, por sua vez, representa 14% do comércio global, com um PIB combinado de €14,5 trilhões (aproximadamente, US$ 16 trilhões), configurando-se como a terceira maior economia do mundo.
Na encruzilhada entre protecionismo e integração, os principais blocos econômicos enfrentam desafios como transição energética, transformação digital e crescentes tensões geopolíticas que ameaçam fragmentar o sistema comercial multilateral construído nas últimas décadas.
União Europeia: o pioneiro em crise de identidade
A UE, com seus 27 países-membros, representa o mais avançado projeto de integração econômica do planeta. Com moeda única, livre circulação de pessoas e políticas comuns em diversas áreas, o bloco enfrenta uma crise existencial após a saída do Reino Unido (Brexit) e diante do crescimento de movimentos nacionalistas.
A pressão migratória nas fronteiras externas e divergências entre membros sobre autonomia fiscal colocam à prova o modelo de governança supranacional. O desafio de manter competitividade frente à China e EUA, especialmente em setores tecnológicos estratégicos, completa o quadro de tensões.
Mercosul: promessa sul-americana ainda por cumprir
Criado em 1991, o Mercosul reúne Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai como membros plenos. Apesar de avanços iniciais, o bloco permanece aquém de seu potencial, com uma união aduaneira imperfeita e sem a prometida livre circulação completa de bens e serviços.
As constantes mudanças de orientação política nos países-membros e disputas comerciais, especialmente entre Brasil e Argentina, dificultam um aprofundamento da integração. A negociação com a União Europeia, arrastada por mais de duas décadas, exemplifica os entraves políticos e econômicos enfrentados pelo bloco.
USMCA: o Nafta reinventado
Substituto do Nafta, o acordo entre Estados Unidos, México e Canadá (USMCA) representa a adequação do comércio norte-americano às tensões do século XXI. Com regras mais rígidas para o setor automotivo e proteções trabalhistas ampliadas, o acordo reflete a tentativa americana de proteger sua indústria e conter a influência chinesa na região.
O desafio central está em equilibrar a integração econômica com as disparidades salariais e sociais entre os três países, enquanto lidam com a crescente preocupação com segurança, imigração e narcotráfico nas fronteiras.
RCEP: a resposta asiática
O maior acordo comercial do mundo em termos populacionais, o RCEP reúne 15 países do Indo-Pacífico, incluindo China, Japão, Coreia do Sul e Austrália. Representa a tentativa asiática de criar um contrapeso à influência ocidental, com a China posicionando-se como potência regional central.
O desafio principal está em harmonizar interesses entre economias em diferentes estágios de desenvolvimento e com sistemas políticos distintos, além das tensões geopolíticas, especialmente no Mar do Sul da China.
Brics: de fórum econômico a bloco político
Originalmente um agrupamento de economias emergentes (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o Brics evoluiu para uma plataforma de cooperação política com crescente influência global. Com a recente expansão para incluir países como Egito, Irã e Etiópia, o grupo busca reformar a ordem econômica internacional.
O principal desafio está em transformar a retórica de cooperação Sul-Sul em mecanismos concretos de integração, superando as enormes diferenças econômicas, políticas e culturais entre seus membros.
Perspectivas: fragmentação ou nova integração?
O cenário atual sugere uma tendência à fragmentação do comércio global em blocos de influência geopolítica, com crescente protecionismo tecnológico e disputas por recursos estratégicos. Esta tendência é corroborada por dados do Banco Mundial, que estima que a fragmentação geoeconômica poderia reduzir o PIB global em até 12% em alguns países. O FMI, por sua vez, projeta que a “fragmentação severa” dos fluxos comerciais poderia custar à economia global entre 0,2% e 7% do PIB global.
A Organização Mundial do Comércio (OMC) reportou que, entre 2020 e 2023, mais de 3.000 novas medidas restritivas ao comércio foram implementadas globalmente, com o valor do comércio afetado por restrições de importação aumentando de US$ 800 bilhões em 2017 para mais de US$ 1,9 trilhão em 2022. Simultaneamente, o número de disputas comerciais levadas à OMC cresceu 40% nesse período.
O chamado “friendshoring” (transferência de operações para países amigos) e “nearshoring” (regionalização das cadeias de suprimento) já está modificando as cadeias globais de valor, com mais de 60% das empresas multinacionais reportando planos de relocação de pelo menos parte de suas operações nos próximos cinco anos, segundo pesquisa da McKinsey.
A transição energética e a digitalização da economia impõem novos parâmetros para a cooperação internacional. Os investimentos globais em tecnologias limpas ultrapassaram US$ 1,8 trilhão em 2023, enquanto o comércio digital representa agora mais de 25% do comércio global de serviços, criando novas áreas para cooperação – ou competição – entre blocos econômicos.
Os blocos que conseguirem adaptar-se às novas realidades, incorporando agendas de sustentabilidade e inovação tecnológica, terão melhores condições de prosperar em um mundo multipolar. No entanto, o caminho entre uma fragmentação acelerada e uma nova arquitetura de integração mais resiliente permanece incerto e condicionado às escolhas políticas das principais economias globais nos próximos anos.